O texto abaixo foi pensado para participar de uma coletânea, mas infelizmente não vingou. O local e as pessoas são fictícios.
De qualquer forma, aí está ele!!!
Toca
meu coração
Irineu Lima de Albuquerque
Lewis
estava em sua bike Schinn modelo Sting-Ray de 1963 com
uma flâmula amarela presa atrás no selim com encosto tipo banana,
que havia pertencido a seu pai e que estava encostada no celeiro
desde que ele se lembra como gente, mas que no último ano, quando
completou dezesseis, disse a seu pai que não queria nada, apenas a
antiga bicicleta. Seu pai coçou a cabeça e lançou um olhar
nostálgico em sua direção como quem trazia a mente antigas
lembranças. A Sting-Ray é um clássico para as bicicletas,
tem guidão alto e assento de banana com duas barras de ferro que
descem e se prendem no quadro próximo ao pneu. No instante em que
seu pai assentiu ele saiu correndo para admirá-la mais uma vez e
passou todo tempo que tinha livre nos próximos três meses
reformando a bike.
A
Sting-Ray
era a segunda coisa que ele mais gostava. A primeira era seu violão
elétrico acústico cutaway,
‘San
Vaughan’, um dos modelos
assinados por Lewis Holy Davis e que ele trazia às costas enquanto
pedalava por Songville, já um
tanto quanto surrado, pois ganhou do pai quando tinha oito anos e mal
cabia nos seus braços. Todos
os dias após chegar da escola, faz sua refeição forçado pela mãe
e vai direto tocar e compor.
Logo em seguida com ele
nas costas sobe na bike
e cruza a ponte do Rio Hope – ele e a família moram num pequeno
sítio às margens do Rio Hope. Ao cruzar a ponte sempre
costuma parar
para admirar
a fábrica de instrumentos musicais, e mais uma vez fica imaginando
como eles magistralmente conseguem construir e dar vida sonora a algo
tão mágico e precioso como seu violão. Afinal seus pais deram a
ele o nome do morador mais ilustre da cidade Lewis Holy Davis, e
sonha em poder um dia sair pelo mundo afora alegrando as pessoas com
sua música e quem sabe representando os instrumentos musicais da San
Vaughan, assim como fez Lewis Davis.
Seu
destino é a Praça do Abolicionista, mas ele não segue direto. Como
todos os dias, inclusive nos finais de semana, prefere circular toda
a cidade, passando pela loja de instrumentos musicais para apreciar
os instrumentos mais uma vez, o conservatório municipal, onde espera
um dia poder exprimir seu talento, e passando pela Rua Ella, entre as
avenidas Fitzgerald e Armstrong onde mora Mariana Karenina, por quem
é apaixonado desde os doze anos. Na verdade, é justamente com ela
que ele vai se encontrar na praça, compôs uma música e quer que
ela escute.
Derrapando
e fazendo poeira para a um metro de distância de Mariana, que o
espera com um sorriso faceiro. Com um vestido azul esvoaçante e arco
dourado na cabeça e um óculos preto redondo, também com armação
dourada, cabelos negros compridos e pés descalços, aproxima-se
dando saltinhos e rodopios.
–
É por isso que você não me saí do pensamento garota!
–
Você que é cheio de ideias Lewis!
–
Como cheio de ideias? Você que teima e me fazer sofrer! Mas venha
cá, senta aqui no pé da árvore, deixa eu mostrar para você o que
fiz.
–
Outra composição sua? Você sabe que adoro tudo que você faz.
–
E eu amo ouvir você
cantar o que eu escrevo, sua voz sim que é um dom de Deus.
–
Eu sei que tenho uma
voz bonita, todos dizem então eu acredito!
–
Ah! Acredita é?
–
Sim! Mas também sei
que você é um talento, toca, escreve e canta como ninguém que eu
conheço aqui na cidade.
–
Você diz isso por que
gosta de mim. Ainda tenho muito chão para trilhar. Mas vem. Escuta!
Lewis
apruma o violão, já um tanto quanto desgastado pelo tempo, mas
muito bonito. Braço em mogno escuro,
tampo
em
madeira clara cutaway
e roseta decorada em
dourado. E começa cantar.
Introdução:
23
20 12 10 23 20 32 34 32 34 20 23 (Re La Si) 2x Sol
Re
La Si Re La Si
Mariana você é muito mais do que um
sonho
Re La Si Sol
Embala as noites todas
Re La Si Re La Si Sol
Nada pode mudar o que sinto
Re La Si Re La Si Sol
Tenho sempre o seu nome em meus lábios
Re
La Si
Você está cada vez mais presente
Re La Si Sol
Em minha vida
Re La Si Re La Si Re La Si Re La Si Re La Si
Mariana Mariana Mariana Mariana
Mariana.
Lewis
parou de cartar e a observa…
–
O que houve? Não
gostou? Posso mudar, tentar melhorar!
–
Não é nada disso, é
que nunca pensei que um dia alguém faria uma música colocando meu
nome. Eu fiquei emocionada.
–
Puxa! Se soubesse disso
teria mostrado a mais tempo a você. Faz um certo
tempo que escrevi esse
verso e não tinha coragem de cantar para você.
–
Nem precisa escrever
mais nada. Basta repetir esse sempre. Para mim está linda.
Lewis
se aproxima de Mariana e tenta beijá-la, mas ela se afasta corando.
–
Só porque cantou para
mim não significa que pode sair me beijando!
–
Que isso Mari! Você
sempre soube o que sinto. Será que não tenho chance?
–
Lewis… Eu gosto de
você também, mas ainda não estou preparada. Você sabe da minha
história mais do que ninguém. É meu melhor amigo e não quero
estragar isso.
Mariana
sofreu bastante com a morte do pai, por quem tinha maior aproximação
na família. Ele sempre pediu para ela ter cautela na vida e nunca
fazer nada precipitado. Sua mãe assumiu a padaria da família que
funciona em baixo da casa, e cuidar de dois meninos e da filha.
Lewis
baixou a cabeça e sorriu.
–
Eu sei! Desculpe Mari!
Não quero forçar nada. Mas quando chego perto de você não penso
em mais nada, tudo perde o significado se não tiver você.
–
Isso é lindo Lewis!
Obrigado por isso, pela música e por sua presença em minha vida.
Prometo que vou me esforçar mais por nós dois. Eu também tenho um
profundo sentimento por você.
Mariana
se levanta e Lewis a acompanha numa caminhada pelo parque. Os dois
calados trocando olhares. Ela estende a mão para ele e sorrir.
–
Não está um dia
lindo? Tudo toca meu
coração!
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