Ontem a Universidade de Fortaleza - UNIFOR, completou 51 anos(1), e ainda dentro dos festejos de seus 50 anos, entregou a premiação bianual de Literatura. Participei com três contos. Participaram mais de 900 trabalhos, infelizmente não tive a graça de ter a minha inspiração premiada. Deixo meus parabéns para todos os participantes e aos 30 agraciados com a participação no livro editado pela instituição universitária.
Agora aqui, publico os contos inscritos no evento.
1. UNIFOR. Disponível em: <https://unifor.br/> Acesso em : 22 mar 2024.
NAQUELES DIAS
Hoje
ao acordar senti um arrepio, desses que começa no pescoço e desce
pela espinha e quase não tive coragem de pôr os pés nas sandálias,
uma vontade imensa de deitar a cabeça no travesseiro e voltar a
dormir. Todavia, a obrigação diária de cuidar de mim e da pessoa
que escolhi viver, falou mais alto. São 04:30 h, o dia está só
começando.
-
Vamos lá! É hora de levantar ir ao banheiro para me preparar, em
seguida café da manhã!
O ônibus estava mais lotado que o normal e como sempre acontece
nesses dias, tive que fazer todo o percurso sem sentar, com o rosto
quase enviado nas axilas de alguém, que também se esforçava para
não perder o equilíbrio com os solavancos provocados pela pressa do
motorista e seus freios bruscos que poderiam ser evitados.
-
Finalmente cheguei, graças a Deus!
Pé
direito depois do portão da fábrica, sinal da cruz e uma oração…
Paramentado
para o trabalho. - Esqueci as luvas! - Volto correndo ao vestiário
para pegar o equipamento no meu armário. - Não quero receber uma
advertência! - Cruzo então com o meu chefe de sessão que me olha
atravessado. - O que houve, penso! Não estou atrasado!
Linha
de produção. Meu chefe, com cara de poucos amigos, avisa que
recebeu orientação da administração superior que temos que
aumentar a produtividade em 3%, a cada quinzena até o fim de ano.
Caso contrário haveriam cortes de pessoal.
Todos
alucinados e trabalhando feitos loucos, no pensamento, a
possibilidade de uma IA assumir o posto atualmente ocupado por um ser
humano que sua para sustentar a família.
Desequilíbrio,
tombo. Cilindro de ar comprimido que balança. Pancada na perna
esquerda.
Resultado…
Enfermaria. Dor insuportável e pensamento que não para quieto. - O
que vai ser de mim e da minha família?
Primeiros
socorros recebidos e sigo em uma ambulância para um atendimento de
emergência para engessar a perna.
Acidente
de trabalho. Ao voltar terei estabilidade por doze meses. Uma dor que
de certa forma compensará, mas não receberei os incentivos de
produtividade.
Naqueles
dias é melhor rezar e agradecer a Deus pela proteção, por não ter
resultado em coisa pior e por meus colegas de trabalho estarem bem.
Dos males o menor. Agora descansar em casa por, pelo menos, um mês.
Avaliação médica e fisioterapia.
Agora
vou curti os momentos com minha companheira e meu cachorro quer minha
atenção.
NA SAÚDE E NA DOENÇA
Conviver
com uma pessoa que apresenta transtorno de personalidade, com
variação de humor ao correr do dia maior que o normal, e muitas
vezes dando a impressão de se tratar de pessoas diferentes, no qual
até esquece de ações e palavras que machucaram o outro… Seguido
de algumas crises de ausência. É necessário muito equilíbrio
emocional!
Assim
tem sido a minha rotina no correr de quase seis anos. Era novembro de
2017 quando se desenvolveu o primeiro episódio. A todo momento eu
sendo acusado de algo que nem sabia do que se tratava.
Vem
cá! Bebe essa água, está com um gosto estranho! - Eu bebo um pouco
da água e digo que para mim não tem nada de estranho. - Como não!?
Café não tem gosto nem cheiro de café, a carne que eu como não é
de gado, sabe lá Deus que carne é essa!?
Eu
já ficando sem ação e sem saber o que dizer e sem entender o que
se passava! Foram dias difíceis e inexplicáveis.
Uma
semana depois ela passa por mim sem roupa, toda depilada, o que não
era comum… Volta já vestida. - Viu só? Raspei tudo! - Respondo
que ela tem que se sentir bem como achar melhor. E olhando para mim
com um sorriso irônico comenta. - Ontem fui com minha irmã num
médico amigo dela, para fazer um exame, para verificar com o que
estou sendo envenenada.
Nesse
momento meu pensamento deu mil voltas querendo entender o que ela
quis dizer. - Precisei me depilar, já que uso química no cabelo, e
era preciso cabelo sem agressão.
Ao
anoitecer passa a se comportar ainda mais estranho, tudo que queria
comer ou beber pedia que eu experimentasse antes, já impaciente e
num tom mais elevado de voz perguntei o que ela estava insinuando. -
Insinuando não, estou afirmando! Você quer me ver morta! Fico com
essas dores na barriga e falta de ar insuportável! Quero ir para o
hospital agora.
Troquei
de roupa enquanto ela se arrumava e a levei para o hospital mais
próximo. Na emergência gritava com as enfermeiras e médicos,
dizendo que todos eram comprados por mim. - Você é amiguinho de
todos aqui, por isso me traz para esse hospital toda vez, eles ficam
dizendo que eu não tenho nada.
Pediu
para ir à casa da irmã, já passava da meia-noite. Eu estava sem
comer e a glicemia já estava baixa e isso me afetava, pois sou
diabético. Já não raciocinava direito e não acertei o prédio
da irmã. - Me leva para outro hospital! - Gritava ela. - Comentei
que era melhor voltar para casa. - É faz isso! Você quer acabar
comigo!
Antes de entrar com o carro na garagem ela desce e vai bater na casa
dos vizinhos da frente. Já era por volta de três e meia da manhã.
- Me chama um táxi para me levar pro médico, que ‘esse bosta’
não sabe me levar. - A vizinha desorientada e com sono, olha para
mim sem entender nada e comenta que não conhece nenhum taxista. -
Ela então vai para o vizinho da frente, e eu ainda mais desorientado
com tudo. - Fulano! Me leva para o hospital tal que eu estou passando
mal, e meu marido não sabe onde fica. - Fulano solícitou, mais
estranhando a situação, diz que leva com o maior prazer, mas sem
entender a situação.
No
hospital mais exames e espera. Amanhece o dia e os resultados dos
exames dizem que está tudo bem. - Você comprou esses aqui também!
- Eu tento argumentar, mas ouço apenas mais gritos e distratos. Vai
ao banheiro. Após quinze minutos não volta. Solicito a uma moça da
recepção para verificar no banheiro se ela estava bem. - Senhor!
Tentei abrir a porta mas não consegui, ela está deitada no chão. -
Vou checar, e lá estava ela! No chão do banheiro se recusando a
sair. Não teve médico, enfermeira, segurança que conseguisse
argumentar, e não dava para forçar a porta, pois ela estava com a
cabeça encostada na mesma.
Liguei
para irmã médica, mas não consegui falar e a outra irmã que
atendeu foi ao hospital e consegui convencê-la a levantar e ir para
o apartamento dela. Chegando lá ela estava nervosa, alegando mil
coisas contra minha pessoa. A irmã pediu que ela fosse deitar um
pouco e descansar. Surtada, ficou nua no quarto, deitou no chão,
urinou onde estava. Um pouco depois a outra irmã chegou, a médica.
- Está surtada, tem que internar.
Em
um terceiro hospital, após várias tentativas de conter para os
exames ela se acalmou.
Veio
o diagnóstico. Bipolaridade e sabe-se lá o que mais. Fazia uso de
medicação para insônia, uma salada mista que ela abusou. E numa
consulta com uma médica dermatologista, a mesma foi aconselhada a
parar com as medicações, porque estava edemaciada, com pele seca…
Havia
parado abruptamente com todos os remédios. Daí síndrome de rebote.
Agravado com um quadro psicológico e revivendo memórias do passado.
Psiquiatra.
Tratamento. Mais remédios.
Seis
anos depois. Várias crises se seguiram. - Eu não sou louca, nem
esquizofrênica para tomar esses remédios.
O
pior paciente é aquele que não aceita a doença. Sofre quem está
mais próximo, seguida de toda família. Muita tristeza e aperto no
coração de todos.
A
única coisa que salva é a oração. Fé em Deus e a esperança que
a tudo melhore e que aceite a terapêutica. Na saúde e na doença! E
a tristeza vai ficando.
DIFERENÇAS E SIMILITUDES
Jonas,
menino, cresceu e aos poucos foi se transformando, aos dezoito anos
começou a transição, passou a utilizar terapia hormonal para mudar
de gênero. Agora aos vinte sete anos é Joana, graças a
estrogenoterapia. Uma mulher transgênero com todos os direitos que a
lei permite.
Catarina,
menina, realizou o caminho inverso de Joana. Com o tratamento
hormonal se tornou Carlos.
“Violência
e estupro no seu corpo, vocês vão ver eu vou pegar vocês!”1
Nessa balada de faroeste viveram esses dois. Ilusões e desencontros.
Brigas e reparações. Um mau trato aqui, outro acolá. Quimeras e
axiomas. “Duas vidas divididas… Fica o feito e o desfeito, o
carinho e o cuidado.”2 Até então nunca se
encontraram, mas viveram vidas vividas, com alegrias e tristezas.
Um
dia os dois se cruzam. Ambos professores de uma universidade.
Casualmente em um evento social se esbarraram e trocaram ideias. -
Olá, tudo bem! - Joana com o olhar tímido encara Carlos. - Oi!
Desculpe o mau jeito! Você ensina aqui também? - Olhares trocados,
sorrisos insinuações e o improvável. Paixão! Carlos e Joana.
Transgêneros que se apaixonam. “Drão, o amor da gente é como
um grão… Ressuscitar no chão nossa semeadura!”3.
O
improvável e talvez o impensado se fez flor e germinou.
“Só
o bobo é capaz de excesso de amor. E só o amor faz o bobo”4.
Causando
estranheza, para alguns ignorantes, caminham os dois pelos jardins
quando podem se encontrar entre uma aula e outra. Bom mesmo é a
liberdade de um beijo roubado, o oferecido é doce e o compartilhado
melhor não há. “Haja fogo, haja guerra, haja guerra que há,
eu também quero beijar”5.
1.
URBANA, Legião. Faroeste
Caboclo. In:
As quatro estações.
Disponível em: Faroeste
Caboclo guitar pro tab by Legiao Urbana @ musicnoteslib.com.
Acesso em: 27 nov 2023.
2.
ALCEU, Valença. Amor
que fica. In:
Leque moleque.
Disponível em: Amor
Que Fica - Alceu Valença – LETRAS.MUS.BR. Acesso
em 27 nov 2023.
3,
GIL, Gilberto. Drão.
In;
Perfil.
Disponível em: Drão
- Gilberto Gil - Cifra Club. Acesso
em 27 nov 2023.
4.
LISPECTOR, Clarice. Das
vantagens de ser bobo.
in:
A
descoberta do mundo.
Rio de janeiro, Editora Rocco, 1999. Disponível
em: Bobo
- Pensador . Acesso
em: 27 nov 2023.
5.
GOMES, Pepeu. Eu
também quero beijar.
In:
Warner 30 anos.
Composição de: Fausto
Nilo, Moraes Moreira e Pepeu Gomes. Disponível em: Eu
também quero beijar - Pepeu Gomes - Cifra Club. Acesso
em: 27 nov 2023.